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Cristiano Bento de Lima

crisbl2003@hotmail.com

Eu matei passarinho

Eu matei passarinho

Fausto Nilo disse uma vez: "Esse é meu segredo (...) Nunca matei passarinho", e ao ouvir essa passagem na música recordei que também tenho um segredo: eu já matei passarinho.

Há um grande e pesado fardo em minha consciência sempre que lembro deste episódio.

Tarde de inverno em um domingo escuro, meio triste e cinzento, jogávamos bola no campinho de terra do saudoso time Alecrim do Matadouro, cheio de pedregulhos, descalços a criar calos de sangue enquanto as primeiras gotas de uma leve neblina nos alcançava, fazendo com que deixássemos o futebol um pouco de lado e despertasse em nós naquele momento o espírito aventureiro que toda criança de periferia tem.

Decidimos então nos afoitar nas matas ao redor do campo até a beira do Rio Quixeramobim na busca de encontrar ninhos de passarinhos, não para maltratar ou matar os indefesos emplumados, mas pela curiosidade, e como já disse, pelo espírito de aventura, até mesmo de descobridor.

Encontramos abrigos de diversas espécies: pardais famintos que abriam o bico ao nos aproximar, esperando a chegada da mãe para saciar sua fome com sua caça. Corrupiões ainda emplumando, sem a beleza exuberante que ainda desenvolveriam (como é lindo um corrupião), galos campinas mais ariscos e estridentes ao nos aproximarmos, rolinhas branquinhas, golinhas, e por último uma rolinha caldo de feijão sozinha e emitindo sons que para mim era de tristeza e sofrer, via que estava indefesa, pois as gotículas da leve chuva a atingia, fazendo nascer em mim um sentimento de solidariedade para aquele ser tão pequeno e frágil.

Não me contive com tamanho sentimento e tive que me tornar herói e salvar do frio aquele passarinho. Retirei-a com cuidado, embrulhei-a na minha blusinha regata para aquecê-la e levá-la para casa para cuidar e não permitir de forma alguma que morresse nem de frio nem de fome.

Mas não sou passarinho, não tenho instinto de passarinho, apenas tinha a boa-fé de uma criança que achava que poderia salvar um ser indefeso. Mostrei-a para minha mãe, expliquei a situação que acabara de presenciar e ela, como uma mãe protetora e entendida das coisas de mãe soube na hora que a pequena criatura não poderia sobreviver sem o calor e a plumagem de sua mãe. Na mesma noite eu a vi amofinar, e na mais terrível saudade de sua protetora decair em minhas mãos.

Que choque! A consciência pesou, as lágrimas inevitavelmente caíram. Restou-me lamentar e nunca mais procurar ninhos, nem mesmo por mera curiosidade.

Aprendi de uma forma dura que não se deve intervir no curso natural de um passarinho, e a partir de então resolvi defender a ideia de que o bom passarinho é aquele livre, cortando os céus, embelezando a vida com suas cores e seus cantos, mas não dentro de uma casa de alvenaria, e sim voando para onde quiser, pois esse é o instinto, essa é a lei natural.


Então, também tinha esse segredo.