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Cristiano Bento de Lima

crisbl2003@hotmail.com

Aquele mês 05

Aquele mês 05


Eu sempre liguei, mesmo que instintivamente, músicas a fatos. Basta tocar qualquer canção que eu tenha guardada na mente que já me vem alguma boa ou nostálgica lembrança, acontecimentos que marcaram e que levo comigo. Mas aquele fato, nem que eu quisesse, poderia tirá-lo de minhas lembranças.


Foi assim que hoje recordei, com riquezas de detalhes, uma manhã de maio em 2011, ao som de José Roberto, como era de costume acordar ouvindo as músicas do velho toca fitas da mamãe. Por incrível, o vizinho deixou tocando em seu rádio o mesmo repertório nesta manhã, e tudo veio à tona novamente.


Naquele alvor de maio, começava para mim um novo desafio, após seis meses desempregado e um sufoco financeiro que desconhecia na vida adulta. Minha mãe varria a calçada escondendo o rosto, sempre de costas para mim.


Por um momento ela parou e afastou-se um pouco para que eu retirasse a velha moto. Eu estava ansioso, empolgado e apreensivo, mas ao olhar para ela antes de partir, percebi minha mãe a chorar com as mãos no rosto e encostada sob as forras da porta. Aquele pranto, aquela forma de despedida eu nunca em minha vida havia visto, menos ainda partido dela, mulher forte, que não diz “eu te amo” em palavras, que dificilmente se deixa abater.


Entendi então, que, os apertos, as dívidas e as apreensões de uma chefe de família que lutara tanto, já estavam acima do que ela podia suportar. Não desci da moto, não a abracei, não demonstrei “fraqueza”, como ela sempre nos ensinou. Tentei ser duro em sua frente para não deixá-la ainda mais triste, apenas pedi a sua bênção e ela abençoou-me com meia palavra, não conseguiu falar a frase inteira.

Minha ida ao novo trabalho foi diferente do que eu imaginei até minutos antes de sair de casa.


Deixei as lágrimas caírem no caminho. A viseira aberta não permitia que elas escorressem pelo meu rosto, logo o vento batia e elas secavam.


Os quatro quilômetros que se seguiram eu só conseguia prometer para minha mãe que ela nunca passaria por aquilo novamente, ela nunca mais choraria por falta ou necessidades tão básicas. Não recordo os detalhes do restante da manhã, mas sei que dei o meu máximo, desde a entrada até o fim do expediente, tudo muito novo, mas nada me tiraria mais a vontade de ser bom naquilo.


E o tempo foi passando...


Após três anos fechamos o bar que tanto nos judiou, quando pudemos fazer uma pequena reforma em nossa casa. Sabe aquelas forras que um dia foram molhadas pelas lágrimas da minha mãe? Elas já não existem mais.


Minha mãe ainda escuta o mesmo toca fitas, ainda varre a calçada e o terreiro no alvorecer do dia, se despede e abençoa minha irmã quando ela sai cedinho para trabalhar, ainda se escora sob a porta, mas não para chorar de tristeza, talvez apenas para descansar e retornar os afazeres que ela insiste em querer fazer todos os dias, como um ritual.


Foi naquele dia que eu aprendi mais uma lição – que homens também choram, que não precisamos ser fortes o tempo todo e que todos merecemos um descanso de vez em quando.


Continuamos vencendo dia após dia, e mesmo um pouco distantes fisicamente, sei que cumpri o que prometi em silêncio a ela e a mim mesmo naquela manhã de maio de 2011.


Por fim, só tenho a dizer: Sorria, minha mãe, você é muito forte!